A inflação cósmica


Na década de 70 o Estrondão Quente parecia ter se consolidado como o modelo cosmológico dominante. A então recente descoberta da radiação de fundo e o sucesso da nucleossíntese primordial, que conseguiu prever com precisão a abundância dos elementos leves no universo fizeram da teoria a vencedora na disputa com o modelo do Estado Estacionário de Fred Hoyle.


No entanto, já naquela época o modelo dominante passava por sérias dificuldades. As observações da radiação de fundo mostravam que o universo era incrivelmente homogêneo e isotrópico em grande escala. Mas como isso era possível se não houve tempo suficiente no passado para que fótons de lados opostos do universo se comunicassem?  Por outro lado, em pequena escala o universo tem inomogeneidades. Uma teoria cosmológica coerente deveria ser capaz, então, de explicar o universo em pequena e grande escala. O modelo do Estrondão claramente não era essa teoria. Outro problema grave era o da planaridade: as estimativas para a densidade de massa do universo sugerem que ele está muito próximo do modelo crítico. Mas por qual motivo a densidade de massa deveria ter uma sintonia tão fina? O modelo do Big Bang não fornecia qualquer resposta para essa pergunta. Cada vez mais, as condições que levaram à explosão inicial pareciam miraculosas. Especulava-se que uma teoria de gravitação quântica pudesse trazer alguma luz sobre esses problemas, no entanto, ironicamente, isso parecia apenas reforçar o caráter “divino” do modelo padrão que agora deveria esperar a teoria messias para ser salvo. O modelo dominante parecia levar a um universo totalmente teleológico, e isso é completamente inaceitável em ciência. Curiosamente foi um problema surgido na física de partículas que acabou levando a uma possível solução dos problemas relacionados ao modelo clássico do Estrondão Quente.

No final década de 70, Alan Guth era um jovem teórico da área de partículas que fazia pós-doutorado em Cornell. Nessa época ele fora aliciado por seu amigo Henry Tye para trabalhar em um problema que, naquele momento, parecia-lhe apenas marginal: os monopólos magnéticos. Uma das previsões das chamadas teorias de grande unificação (GUTs) é que três das quatro forças fundamentais – eletromagnética, forte e fraca – são na verdade parte de uma mesma interação unificadora  que perde sua identidade quando, em temperaturas muito altas semelhantes às do universo inicial, ocorre o que se chama de quebra espontânea de simetria. Esse processo pode ser entendido como uma transição de fase. Uma substância em estado líquido apresenta simetria rotacional completa: em qualquer direção que se olhe veremos o líquido da mesma maneira. Entretanto quando essa substância está no estado sólido, ela se torna um cristal e há uma quebra de simetria, já que o cristal se orienta em torno de seus três eixos principais, que, completando a analogia, seriam cada uma das três interações fundamentais. O problema é que esse processo deveria levar a uma enorme criação de monopólos magnéticos. Esses monopólos persistiriam até hoje de maneira que deveriam ser facilmente detectáveis. Como se sabe isso nunca aconteceu.

Alan Guth percebeu que o problema da formação excessiva de monopólos poderia ser evitado se a transição de fase ocorresse em temperaturas abaixo daquelas nas quais os monopólos são criados em grande quantidade. O fenômeno do super resfriamento é bastante conhecido. A transição de fase da água, por exemplo, pode ser adiada até 20º abaixo de seu ponto de congelamento. A chave para se entender como esse super resfriamento poderia ocorrer está no vácuo.

O modelo padrão de partículas mostra que o vácuo pode ser excitado tal como elétrons. Podem existir mínimos locais de energia no espaço onde há o chamado falso vácuo. O estado de falso vácuo é considerado metaestável já que pode tunelar para estados energéticos mais baixos.
 

                                 Fig.(1). Falso vácuo

 


Ao se resfriar o universo tenderia a se aproximar de uma região de falso vácuo. Como o processo de tunelamento é lento a transição do falso vácuo para o verdadeiro ocorreria devagar e dessa forma teríamos o super resfriamento necessário para que a produção de monopólos fosse suprimida.

Uma das propriedades peculiares do falso vácuo é que sua densidade de energia se mantém sempre constante durante a transição de fase. A primeira lei da termodinâmica nos diz que, se uma expansão é realizada com densidade de energia constante isso implica numa pressão negativa. De acordo com a relatividade geral uma pressão negativa cria um campo gravitacional repulsivo sobre o espaço ao redor. O falso vácuo provoca então uma forte repulsão gravitacional. A conseqüência desse mecanismo é que durante o tempo em que o falso vácuo decaía em vácuo verdadeiro o universo sofreu uma expansão exponencial dobrando de tamanho a cada 10-37 s. Essa expansão ficou conhecida como inflação. Durante o período da inflação o fator de escala do universo teve um crescimento da ordem de 3x10 43 .

A inflação resolve o problema da planaridade de maneira bastante natural. Não é difícil visualizar isso: quando inflamos um balão sua superfície vai se tornando cada vez mais plana de modo que, em dado momento, sua curvatura fica praticamente imperceptível localmente.  Se aplicarmos a inflação ao modelo de Friedmann vemos que não importa qual o valor de Omega se considere inicialmente, ele sempre se aproximará de um com grande precisão ao final da inflação.


                 Fig(2) –  planaridade em uma área pequena do universo


A teoria inflacionária também resolve o problema da homogeneidade do universo. Antes da inflação o universo era extremamente pequeno, quase pontual, e a velocidade da luz não impõem nenhuma restrição para o intercâmbio de fótons numa região tão pequena. Já a solução para o problema das inomogeneidades do universo em pequena escala depende da existência de um campo escalar chamado inflaton. As galáxias seriam, nesse cenário, resultado de flutuações quânticas no inflaton.

As observações realizadas pelo COBE e pelo WMAP mostram que o grau de inomogeneidade do universo está em acordo com o valor previsto pela teoria inflacionária. Espera-se que novos dados mais precisos obtidos pelo recém lançado satélite Planck possam trazer mais pistas sobre a validade da inflação cósmica.

No aspecto teórico, entretanto, o universo inflacionário tem enfrentado sérios problemas. Alan Guth propôs inicialmente que o inflaton seria um campo de Higgs. Porém, hoje já se sabe que isso não pode ser verdade. A natureza do inflaton permanece um mistério. Muitos teóricos acreditam que esse problema pode ser resolvido quando tivermos uma teoria super simétrica consistente. Continuamos à espera da teoria messias.

Bibliografia:

GUTH, Alan. The Inflationary Universe, Ed. Addison Wesley (1997)
de Souza, R., Introdução à Cosmologia, EDUSP (2004)
 
por Domingo Soares

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