Já escrevi sobre como nossas teorias científicas sobre o
mundo são aproximações de uma realidade que podemos compreender apenas
em parte. Nossos instrumentos de pesquisa, que tanto ampliam nossa visão
de mundo, têm necessariamente limites de precisão. Não há dúvida de que
Galileu, com seu telescópio, viu mais longe do que todos antes dele.
Também não há dúvida de que hoje vemos muito mais longe do que Galileu
poderia ter sonhado em 1610. E certamente, em cem anos nossa visão
cósmica terá sido ampliada de forma imprevisível.
No avanço do conhecimento científico, vemos um conceito que tem um papel
essencial: simetria. Já desde os tempos de Platão, a noção de que
existe uma linguagem secreta da Natureza, uma matemática por trás da
ordem que observamos, teve um papel fundamental.
Platão --e, com ele, muitos matemáticos até hoje-- acreditava que os
conceitos matemáticos existiam em uma espécie de dimensão paralela,
acessível apenas através da razão. Nesse caso, os teoremas da matemática
(como o famoso teorema de Pitágoras) existem como verdades absolutas,
que a mente humana, ao menos as mais aptas, pode ocasionalmente
descobrir. Para os Platônicos, a matemática é uma descoberta e não uma
invenção humana.
O matemático Gregory Chaitin, que defende esta posição, sem muita
paixão, também a acusa de ser uma espécie de religião, um resquício de
uma teologia Tomista onde a fé é buscada no estudo da "mente de Deus".
Hoje, a busca por uma teoria final da Natureza, ao menos no que diz
respeito às forças que agem nas partículas fundamentais da matéria, é a
encarnação moderna do sonho platônico de um código secreto da Natureza.
As teorias de unificação, como são chamadas, visam justamente isso, formular todas as forças
como manifestações de uma única, com sua simetria abrangendo todas as
outras.
Culturalmente, é difícil não traçar uma linha entre as fés monoteístas e
a busca por uma unidade da Natureza nas ciências. Este sonho, porém, é
impossível de ser realizado.
Primeiro, porque nossas teorias são sempre temporárias, passíveis de
ajustes e revisões futuras. Não existe uma teoria que podemos dizer
final, pois nossas explicações mudam de acordo com o conhecimento
acumulado que temos das coisas.
Um século atrás, um elétron era algo muito diferente do que é hoje. Em
cem anos, será algo muito diferente outra vez. Não podemos saber se as
forças que conhecemos hoje são as únicas que existem.
Segundo, por que nossas teorias e as simetrias que detectamos nos
padrões regulares da Natureza são em geral aproximações. Não existe uma
perfeição no mundo, apenas em nossas mentes. De fato, quando analisamos
com calma as "unificações" da física vemos que são aproximações que
funcionam apenas dentro de certas condições.
O que encontramos são assimetrias, imperfeições que surgem desde as
descrições das propriedades da matéria até às das moléculas que
determinam a vida, as proteínas e os ácidos nucleicos (RNA e DNA). Por
trás da riqueza que vemos nas formas materiais, encontramos a força
criativa das imperfeições.
Marcelo Gleiser é professor de física e astronomia do Dartmouth
College, em Hanover (EUA). É vencedor de dois prêmios Jabuti e autor,
mais recentemente, de "Criação Imperfeita".
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